Rorate Caeli Desuper

Luiz Fernando dos Santos
20/12/2019
Devocional

“Espero no Senhor com todo o meu ser, e na sua palavra ponho a minha esperança”(Sl 130.5)

Esta pastoral recebe o título de uma das mais belas e significativas antífonas litúrgicas. ‘Rorate Caeli’ são as primeiras palavras em latim do versículo 8 do capítulo 45 do profeta Isaías: “Que os céus, das alturas, derramem o seu orvalho, que as nuvens façam chover a vitória; abra-se a terra e brote a felicidade e ao mesmo tempo faça germinar a justiça! Sou eu, o Senhor, a causa de tudo isso”. Essa antífona é usada no tempo litúrgico do Advento, uma estação litúrgica em preparação ao Natal do Salvador Jesus.

Todavia, existem pelo menos duas perspectivas a luz desse texto bíblico que devemos nos atentar. A primeira, evidentemente, é aquela que traduz as expectativas e a ânsia do povo de Deus no Antigo Testamento em ver cumpridas as promessas em relação ao Messias e nele, a restauração de toda a ordem criada no Reino de Deus. Essa profecia se cumpriu na anunciação, encarnação e nascimento de Jesus Cristo: ‘Os céus derramaram o orvalho’ (o Espírito Santo desceu), ‘a terra se abriu’ (Maria concebeu), ‘germinou a justiça’ (Jesus nasceu). A segunda perspectiva é escatológica, mentalidade já presente em Isaías e também no Novo Testamento quanto a volta gloriosa de Jesus Cristo para fazer ‘novas todas as coisas’.

Então, o tempo do advento tem essas duas dimensões importantes para a espiritualidade litúrgica e a teologia bíblica. Prepara o nosso espírito para celebrarmos corretamente o ministério do Natal. Nos leva ao Antigo Testamento e nos permite constatar as antiquíssimas promessas de Deus estabelecidas em sua Aliança e a sua fidelidade em cumpri-las na plenitude nos tempos (Gl4.4). Como um pedagogo, a ‘Advento’ nos toma pelas mãos e nos leva pelos cânticos piedosos, pela exposição das Escrituras e pela imaginação carregada de pios afetos, a acompanhar os fatos iminentes da chagada do grande Rei, o anúncio do anjo, a perplexidade de José, a alegria de João batista no ventre de Isabel, a subida da Galileia por ocasião do edital do Imperador e nos coloca as portas da manjedoura.

E ao mesmo tempo, o advento coloca em nossos lábios o grito do Apocalipse: ‘Vem Senhor Jesus’. De certa maneira, essa estação litúrgica nos prepara para a volta gloriosa de Jesus Cristo e faz das palavras da antífona ‘Rorate Caeli’, uma aspiração atualizada. Nesses nossos dias marcados pela violência gratuita e em escalada, pelo esvaziamento da justiça e a negação da verdade, clamar pela vinda do Salvador se faz ainda mais necessário. Em nosso tempo marcado pela angústia e por tantas incertezas, o Advento quer ajudar-nos na renovação da esperança. Deseja recordar-nos da fidelidade de Deus em cumprir as suas promessas, como fez no passado.

Deseja infundir em nossos corações pela paciência e consolo das Escrituras (não é à-toa que os hinos do Advento nos conclamam a ‘contar a velha história’, Hinário Novo Cântico 226-227), a esperança na segunda vinda de Cristo e na instauração definitiva do seu Reino de Justiça, amor e paz universal. Contudo, a intenção mais imediata desse tempo que iniciamos hoje é a de devolver ao Natal o seu significado mais real, o nascimento histórico de Jesus Cristo, prometido no Antigo Testamento e recebido no Novo. Não só na cultura popular o Natal perdeu o seu sentido bíblico e viu-se, de repente, inundado de seres alienígenas como o papai Noel, as renas, duendes e etc. Em muitos ambientes teológicos e eclesiásticos palavras como paz, confraternização, solidariedade, altruísmo, tolerância substituíram o Evangelho da graça.

Muitos cristãos trocaram o ‘Feliz Natal’ pelo insignificante ‘Boas Festas’ e passaram a decorar seus jardins e suas casas com os mesmos símbolos da cultura popular. Muitas comunidades cristãs trocaram o culto cristológico e cristocêntrico (o cerne da celebração natalina), por cantatas doces, coloridas, com fantasias e contos de fada, sem manter o ‘padrão das sãs palavras’. O natal está secularizado também nos corações crentes. Por isso, celebrar o tempo do Advento implica em retornar aos essenciais desta linda comemoração que outra coisa não é, do que proclamar ao mundo que o Salvador Jesus Cristo já veio, que ainda agora por meio do seu Espírito e de seu corpo místico que é a igreja, está atuando no mundo para salvar os pecadores. O Advento devolve Cristo ao Natal e devolve o Natal com Cristo para a Igreja e para o mundo.