Ramos: A paixão de Cristo, a paixão do mundo

Luiz Fernando dos Santos
2/4/2020
Devocional

Reina o Senhor. Revestiu-se de majestade; de poder se revestiu o Senhor e se cingiu” (Sl 93.1)

O domingo de Ramos abre, no ano litúrgico, a semana da paixão ou a semana das dores do Redentor. Um período do ano cristão em preparação imediata para as celebrações pascais. Talvez, poucas vezes na história, a celebração da paixão de Cristo fosse tão necessária e relevante para a vida da igreja. Vivemos dias de paixão, de dor e morte por ocasião dessa pandemia. Os sinais do medo, do cansaço, do estresse podem ser sentidos. Não obstante os maravilhosos gestos de humanidade e generosidade que se vêm por toda a parte, há no ar uma certa tensão quase palpável, uma angústia que quase se pode tocar. O itinerário da paixão de Cristo é aquele descrito no ‘homem das dores’ do profeta Isaías: “Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso. Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.3-5). Jesus Cristo veio a este mundo para carregar em seu corpo todo o sofrimento decorrente da Queda e que se origina no pecado e após cada pecado. De fato, desde a Queda esse mundo só faz enfermar a cada época. Essa epidemia serviu ao menos para um propósito imediato, destruiu e pulverizou os ídolos da contemporaneidade: dinheiro, poder, ciência e consumo. O vírus colocou a todos de joelhos e de repente, nos vimos todos na vala comum dos desesperados contando os seus mortos a milhares. Até a pandemia, tenho a impressão que vivíamos tão alienados e tão embriagados como a geração de Noé até que o dilúvio chegasse. Vivíamos vidas vertiginosas, estávamos usando dos recursos da natureza de maneira irracional, cultivávamos relações descartáveis e utilitaristas e o que é pior, muitas igrejas esfriaram em seu primeiro amor e no desejo de legitimarem a sua existência social, se capitularam à cultura e transformaram o culto a Deus na busca de relevância e bem-estar do ‘adorador’. O entretenimento e a busca desenfreada por prazer e sensação de felicidade, fez com que muitos crentes transformasse o ‘Dia do Senhor’ em ‘Weekend’, isto é, esvaziaram o sentido do (shabat), dia de descanso e de santificação e deram a ele um novo significado, um fim de semana todo voltado para a satisfação dos desejos do homem. Até mesmo as igrejas mais conservadoras, com inúmeras justificativas, passaram a se organizar em torno das necessidades do lazer e do entretenimento, tidos por tão sagrados e necessários, que podem suplantar a vida fraterna em comunidade e na adoração. Mas, não podemos esquecer que esses males também estão contemplados nas dores assumidas por Jesus. Também a endêmica ganância humana e a frieza e o desamor da igreja completam o número das coisas pelas quais ele padeceu, foi crucificado e morreu. Em meio a tudo isso e seguramente a coisas piores não mencionadas, na liturgia, na festa da Entrada Triunfal de Cristo em Jerusalém (Ramos), entramos com o Senhor que veio para reivindicar o seu trono e o seu reinado sobre tudo e sobre todos. O domingo de ramos nos servirá de consolo por recordar-nos que ele já levou de maneira definitiva as nossas dores e as nossas enfermidades e ele já as venceu por nós. Que ainda agora, sob as influências nefastas desse mundo caído, os que foram introduzidos com ele pela fé no seu Reino Inabalável (Hb 12.28), verão a vitória do seu Rei Sublime. Ao entrar triunfante em Jerusalém, além de dar cumprimento as Escrituras (Zc 9.9), Jesus não se encaminha para usurpar o trono de César (na verdade, ele mesmo um usurpador), mas para iniciar o seu reinado coroado de espinhos sob o trono da cruz. Assim, como cristãos entendemos que, enquanto estivermos nessa vida a cruz não é uma alternativa, mas a nossa vocação. Os sofrimentos não são uma possibilidade, mas a nossa condição e assim como ele experimentou a morte e dela saiu vitorioso, os seus santos também triunfarão. Não obstante nossos templos e santuários estejam vazios nesse domingo de Ramos, não cedamos o nosso privilégio às pedras (Lc 19.40) e cantemos em nossos lares, proclamemos pelas mídias sociais, gritemos ao mundo: “Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas maiores alturas!” (Mateus 21.9). O nosso Rei já veio um dia, revestido de fraqueza e agora nós o aguardamos uma segunda vez, revestido de glória e majestade: “Maranata! Vem Senhor Jesus” (Ap 22.20) e os seus súditos não mais sofrerão.