Implicações do conceito de pregação como palavra de Deus vista na comissão de pregadores

Jubal Gonçalves
9/10/2020
Homilética

O pregador que se prepara espiritual e academicamente para interpretar e expor um texto bíblica corretamente é porta-voz do Senhor. Devido a importância da exposição bíblica, Deus tem comissionado ao longo da história pessoas para esse trabalho precioso.

Por comissão se faz referência aqui ao chamado feito por Deus para a função de pregador e à consequente ordenação feita pela igreja. Joseph Alleine era de opinião que se alguém é capaz de viver sem o ministério não deve se aventurar nele. O pregador não deve encarar este ofício como uma mera função. Ele deve desejar ardentemente ocupar o púlpito, domingo após domingo. Ele deve ter a consciência de ter sido chamado por Deus para pregar. [1]

Um texto que serve para ilustrar a necessidade de um chamado divino para se ocupar o púlpito é o de Romanos 1.1. Comentando-o, Calvino defendeu que o termo traduzido por “servo” indica o ofício de ministro da Palavra. Segundo ele, Paulo usou a expressão para salientar que havia sido autorizado por Deus para pregar, em face dos questionamentos levantados pelos hereges acerca da sua apostolicidade [2]. E ainda, o termo traduzido por “pregador”no Novo Testamento (1Tm 2.7, 2Tm 1.11) designa um porta-voz especialmente comissionado para a proclamação pública oficial da vontade de Deus, o que dá base para restrições ao chamado para o ofício. Não é qualquer pessoa que pode pregar.[3]

A questão levantada por Calvino sobre quem pode subir ao púlpito de uma igreja e pregar deve ser considerada cuidadosamente, conforme o contexto de cada igreja. Este autor é de opinião que é admissível que leigos preguem, ou por falta de comissionados, ou para testar suas aptidões; todavia, esse conceito defendido pelo reformador é muito importante para se delinear princípios gerais e para que a natureza da pregação não seja esquecida. Portanto, a pregação é uma tarefa restrita aos ordenados para essa sublime obra, sendo função essencial do ministério pastoral. [4]

Há alguns aspectos que evidenciam essa dotação para pregar: habilidades,desejo intenso de realizar a obra e testemunho da igreja. Essa vocação é confirmada pelo Espírito Santo no coração dos seus servos. Por isso, ninguém deve assumir um ofício público na igreja sem um chamado divino para tal tarefa.

Em suas Institutas, Calvino abordou esta questão dizendo que “deve haver bom critério para discernir os verdadeiros pastores, para que não haja precipitação em receber de imediato como pastores os que assim são chamados”. É a igreja que deve, baseada nas Escrituras,reconhecer quem recebeu habilidade para pastorear o rebanho de Deus.[5]

Gilbert Guffin observa a necessidade de se ser dotado para expor do texto sagrado da seguinte forma:

É de vital importância para uma compreensível preparação do ministro o fato de que ele tenha um profundo e verdadeiro senso de seu chamado. Aquele ministro que não tem profunda convicção de um divino chamado, ao longo do tempo perderá seu senso de urgência do seu ministério e poderá vir a falhar.[6]

O ministro convicto do trabalho que deve exercer não desistirá do sagrado ministério,mesmo em meio às dificuldades, pois ele será revestido do poder do alto.Contudo, essa convicção se dará mediante a confirmação do Espírito no seu coração e, também, através do testemunho da igreja.

Considerando o chamado divino para pregação, Jerry Vines assevera:  

Todo pregador precisa estar certo do seu chamado; essa consciência fará com que ele se disponha e seja capaz de pagar o preço desse trabalho árduo. Sua perspectiva acerca do seu chamado para pregar determina profundamente sua aproximação do púlpito. Se você é pregador efetivo do evangelho, você precisa entender que tem um chamado profético. Pregue com o senso de que Deus está pregando através de você. [7]

Há uma estreita relação entre a natureza da pregação, os talentos do dados ao pregador e seu preparo. Todo pregador deve cuidar para não perder de vista este senso de que deve ser apenas um instrumento de Deus. Em tempo algum o púlpito deve ser considerado um lugar trivial.

Quanto às habilidades do pregador, ninguém é despertado por Deus para pregar o evangelho por ser incapaz de desenvolver outras atividades. Não há dúvidas de que um vocacionado para o ministério terá as aptidões para esse ofício. Até é possível que Deus comissione alguém através do insucesso em outras áreas. Entretanto, Deus usa na sua obra pessoas talentosas. Pessoas que,além de capacitados para exercer o ministério, poderiam também desenvolver outras atividades.

Segundo Calvino, além do registro da sua revelação especial o Senhor comissionou profetas para interpretarem a sua Palavra.[8] Se a pregação deve ser a manifestação da vontade divina ao seu povo, o pregador deve entender que foi vocacionado por Deus para ser servo de sua mensagem, que conforme já foi considerado, deve ser entregue em nome de Deus. Portanto, o pregador não deve transmitir suas meras elucidações.[9] Deus comissiona pregadores não para exaltá-los e sim para exaltar-se, assevera Spurgeon.[10]

W.E Sangster descreve esse chamado da seguinte forma:

Chamado para pregar! Comissionado por Deus para ensinar a Palavra! Um arauto do grande Rei! Uma testemunha do Evangelho Eterno! Poderia qualquer ministério ser mais elevado e santo? Para esta suprema tarefa Deus enviou seu Filho unigênito (...) Pregar as Boas Novas de Jesus Cristo é a atividade mais elevada, mais santa a que o homem pode entregar-se: uma tarefa que os anjos talvez invejem e por causa da qual os arcanjos poderiam esquecer a corte do céu.[11]

Não há dúvidas de que é um privilégio imensurável ser comissionado por Deus para ser um expositor das Escrituras. Contudo, privilégios costumam ser acompanhados de responsabilidades. Por isso nenhuma pessoa tem o direito de se intitular ministro do evangelho, a menos que seja chamada para isso. E os ministros comissionados por Deus, através da igreja, não podem deixar de fazer o melhor no desenvolvimento do seu ministério, pois o pregador fiel das Escrituras é voz de Deus.

 

[1] ALLEINE, J. Apud. SPURGEON,Charles, H. Lições aos Meus Alunos vol.2.São Paulo: PES, 1990, p. 29.

[2] CALVINO,João. Romanos. São Paulo: EdiçõesParacletos, 1997, p. 40.

[3] CALVINO,João. As Institutas - Edição especial com notas para estudo e pesquisa, vol.4. [tradução Odayr Olivetti]. SãoPaulo: Editora Cultura Cristã, 2006,  p. 76.

[4] CALVINO,John. Commentary on theActs of the Apostles.Oregon: Ages, 1998, p. 52.

[5] CALVINO, João. As Institutas vol.4. Edição especial com notas para estudo epesquisa [Tradução Odayr Olivetti]. SãoPaulo: Editora Cultura Cristã, 2006, p. 125.

[6] GUFFIN, Gilbert, L. Called of God. Boston: ChristopherPublishing House, 1951, pp. 37-38 [Tradução Minha].

[7] VINES, Jerry. Power in the Púlpit. Chicago: Moody, 1999, p. 46 [TraduçãoMinha].

[8] CALVINO,João. As Institutas - Edição especial com notas para estudo e pesquisa, vol.1. [TraduçãoOdayr Olivetti]. São Paulo:Editora Cultura Cristã, p. 69.

[9] PARKER,T.H.L. op.cit., p. 35.

[10] SPURGEON,Charles, H. Lições aos Meus Alunos vol.1. São Paulo: PES, 1990, p. 25.

[11] SANGSTER, William, E. The Craftof Sermon. Londres: Epworth, 1954, p. 297 [Tradução Minha].