Exercite-se no silêncio e na solitude

Karen Bomilcar
1/3/2021
Espiritualidade

Em um mundo ansioso e agitado, uma das grandes dificuldades que encontramos é o espaço do silêncio que conduz à solitude e o da solitude que conduz ao silêncio. Solitude é diferente de solidão. Na solitude, o espaço nos leva ao crescimento, à reflexão, à maturidade e à intimidade com Deus. Dietrich Bonhoeffer, em seu necessário e clássico Vida em Comunhão, nos ensina: “A marca da solitude é o silêncio, assim como a fala é a marca da comunidade. O silêncio e a fala têm a mesma força interior e a mesma diferença que a solitude e a comunidade. Uma não existe sem a outra. A fala certa vem do silêncio. O silêncio certo vem da fala”.

Na solitude, abrimos espaço para a escuta íntima do nosso coração e do que Deus tem a nos dizer. Há grande receio em adentrar esse espaço, por medo do que pode emergir dele. Por isso tantos de nós mergulhamos no ativismo desenfreado, de modo a não encarar os conteúdos que podem surgir dessa experiência. Vejo diariamente na prática pastoral e profissional e em momentos de minha vida pessoal quanto este desequilíbrio é nocivo. Advindo deste ativismo, uma vez que alguma situação de vida nos força a parar, nos leva ao silêncio, ao repouso, o impacto é demasiado forte. Por isso a experiência da disciplina espiritual da solitude, quando inserida de modo gradual, intencional e permanente em nosso cotidiano e vida espiritual, nos leva ao amadurecimento em nossa relação conosco, com Deus e uns com os outros.

A experiência da solitude e da vida em comunidade se complementam e se potencializam. Porém os extremos nos trazem consequências desafiadoras. Daí a importância de buscarmos esta coexistência de forma intencional. Na vida, é preciso cuidar atentamente do nosso tempo, da forma como o distribuímos entre os ruídos, as solicitações, a família, o trabalho, o tempo para reflexões, o lazer e tantas coisas. Sabemos que nem sempre as condições são adequadas para inserirmos algumas disciplinas espirituais, porém é possível organizá-las de modo a se tornarem hábitos que, ao longo do tempo, ocorram de forma orgânica em nossa relação com Deus e uns com os outros.

Separe intencionalmente um momento no seu dia ou semana para o tempo de silêncio. Afaste-se dos ruídos, dos estímulos que podem interromper (em especial aqueles que vêm de forma eletrônica por meio de constantes solicitações e distrações). Ajuste isso à sua realidade. Pode ser um espaço dentro de sua própria casa ou um local ou ambiente externo onde seja possível estar em silêncio. Preste atenção no seu corpo, na integralidade física e emocional daquele momento. Esteja presente para poder desfrutar desse espaço. Podem ser minutos, horas ou até mesmo um dia inteiro que você separa para isso. No silêncio e na solitude, oferecemos a Deus um espaço integral, em que nossa atenção não está dividida, para crescermos em intimidade com ele. E a partir dele, nossa videira, e nele, nosso Senhor e Salvador, nos movemos e existimos e então podemos viver em comunidade e em serviço.

Exercitar-se no silêncio e na solitude requer intencionalidade.

Ore como no Salmo 139 e em João 15.4.

“Pai de amor, acolhe meu coração e tudo que nele há, suas incoerências, suas incongruências, seus sons dissonantes. Conhece meus pensamentos, afasta de mim a tentação da relevância, do ativismo desenfreado, da necessidade de sempre estar em movimento. Mostra-me o caminho do teu coração. Que, como Jesus, eu possa ter os momentos em que me retiro para silenciar e orar, de modo que meu serviço e minhas ações se tornem alinhados com teu coração e tenham mais sentido e significado. Que eu não esqueça que não posso dar frutos por mim mesma, mas que preciso permanecer na videira de modo a produzir frutos duradouros de vida, glorificar teu nome e sinalizar teu reino. Com meu ser integralmente presente na tua presença, entrego meu silêncio em amor a ti, para ouvi-lo atentamente”.

E ouça.

Adentre o silêncio e a solitude.