Triunfante

Luiz Fernando dos Santos
24/3/2021
Espiritualidade

“A multidão que ia adiante dele e os que o seguiam gritavam: Hosana ao Filho de Davi! Bendito
é o que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas!” (Mt 21.9)

A economia litúrgica da igreja cristã chama o “Domingo de Ramos” de “Domingo da Entrada
Triunfal de Jesus em Jerusalém”. Alguém poderia pensar, e com razão, que a liturgia estivesse
se referindo ao acontecimento em si, que foi mesmo apoteótico. Jesus entra na Cidade Santa
aclamado como Rei e identificado por muitos como o Rei-Messias. As pessoas soltavam gritos
e aclamações em louvor e saudação a Cristo e muitos espalhavam ramos e peças de roupa pelo
chão, fazendo como que um tapete real para o solene desfile do sucessor de Davi. Todavia,
desde sempre a igreja reconheceu no domingo que antecede a ressurreição como o início das
dores do Salvador, é o início da semana santa ou semana da paixão, cujo clímax, é a
crucificação. Então, domingo em que Jesus entra em Jerusalém entre ‘hosanas e aleluias’,
aclamado como Rei, é na verdade, quando a temperatura das suas humilhações começa a
subir. Aumentará a tensão com as autoridades religiosas dos judeus, judas se esgueirará nas
sombras para pactuar a traição a Jesus e Ele mesmo [Jesus], se sentirá como rei rejeitado e
chorará a insensibilidade dos habitantes da Cidade Santa por não o reconhecer, nem o
receber. Então, o que há de ‘Triunfante’ nesse episódio de Ramos? Desde domingo até
sexta-feira 14 de Nisã, a angústia de Jesus irá aumentando a cada momento e no final da
história, a cruz destroçará qualquer expectativa humana de triunfo. Entretanto, a Bíblia
parece ter um enredo que permeia toda a sua narrativa. Antes de uma grande bênção,
sempre haverá um tempo de provação, de teste, de humilhação como que preparando os
homens para receberem com o devido reconhecimento, valor e gratidão a benfeitoria
graciosamente recebida. Graciosamente na máxima acepção da palavra, isto é, um dom,
uma dádiva, uma graça imerecida, inesperada, até. Assim, o que é ‘Triunfal’ é o que acontece
quando o enredo chega ao fim e o que acontece é inesperado, inescrutável, a ressureição de
Jesus.

Depois da traição, do abandono, do julgamento injusto, da rejeição por parte do seu
povo, da humilhação sofrida nas mãos de bárbaros, desfilar quase nu pelas ruas carregando às
costas a suprema ignomínia da cruz e ser crucificado entre ladrões, Jesus Triunfantemente
ressuscitou! Não havia ninguém na terra que esperasse por isso. Alguns, claro haviam sido
informados que isso aconteceria, mas seus corações estavam por demais embrutecidos pela
violência sofrida pelo mestre. Seus olhos e seus sentimentos estavam por demais embotados
para enxergar a verdade. Prova disso é que as mulheres se dirigem ao túmulo e não levam
roupas novas na expectativa da sua ressurreição, não. Vão para embalsamá-lo. Os amigos
de Emaús dão as costas para Jerusalém e destruídos animicamente falando, tentam juntar os
cacos de suas expectativas quebradas e tentam recomeçar a vida sem Jesus. Sem falar nos
discípulos trancafiados por medo e especificamente de Tomé, que de tão confuso, sabe-se lá
aonde deve ter ido chorar as suas mágoas. Ninguém, humanamente falando, estava
esperando a sua ressurreição, não conscientemente. E, não é que triunfalmente ele se revela
às mulheres, triunfalmente se revela aos discípulos na ceia de Emaús e triunfantemente não
entra no recinto de portas e janelas fechadas onde os discípulos estavam? E assim, de triunfo
em triunfo, durante quarenta dias foi dando inúmeras provas de sua vitória sobre o pecado, o
mal e a morte. Podemos tirar uma grande e contextualizada lição deste dia de Ramos, da
Entrada Triunfal de Jesus em Jerusalém. Desde março de 2020, com a Pandemia, a quarentena
se nos tornou uma longa quaresma. Estamos todos na expectativa que logo amanheça o dia
que ponha fim a esta onipresença da morte e de mortos contados aos milhares a cada dia no
mundo. Estamos desejosos e necessitados de que a vida ‘ressuscite’. E que lição seria essa? A
de entrarmos com Jesus nas dores e na paixão do mundo. De irmos como igreja ao encontro
das agonias dos homens e mulheres nesses dias difíceis, levando conosco a palavra do
Evangelho, a mensagem de que a morte, a dor, a enfermidade não tem a última palavra. É
necessário entrar nessa economia litúrgica da semana das dores e dizer aos homens e
mulheres deste tempo que um tempo de graça, um tempo de bênçãos está sendo gestado no
coração do Pai. É nosso dever como comunidade de Jesus dizer a todos que mesmo os que
tombarem nesses dias pandêmicos, nos inescrutáveis caminhos do Senhor, não permanecerão
na morte, se adormecerem em Cristo, com Cristo triunfalmente serão ressuscitados. Entrar
com Jesus em suas dores é desde agora ter a promessa que a agonia terá fim e a manhã da
ressurreição já nos está reservada - isso, é triunfal!