Os Pais da Igreja

Luiz Fernando dos Santos
23/10/2020
História da Igreja

“ Portanto, também nós, uma vez que estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas, livremo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta, tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé ” (Hb 12.1,2).

Os Pais da Igreja constituem, em seu filão principal, um grupo de homens excepcionais dos inícios do cristianismo. Didaticamente podemos classificar de “pais da igreja”, aqueles homens que viveram entre o finalzinho do século primeiro até o século sexto no ocidente e até o século sétimo, no oriente. Grosso modo, para que alguém possa figurar nessa categoria, alguns requisitos se fazem necessários.

Em primeiro lugar, a antiguidade. Quando se fala de tradição no cristianismo, antiguidade é posto. Nesse caso equivale dizer que ninguém será tomado por “pai da igreja”, caso tenho vivido posterior aos limites históricos acima. O segundo requisito básico é a ortodoxia. A sua doutrina e o seu ensino devem estar de acordo com a mensagem dos apóstolos e mais, em conformidade com o que a igreja universal tomava como sã doutrina naqueles dias.

Por que esse critério é importante: Porque existem muitos escritores eclesiásticos ilustres desse mesmo período, contudo, não obstante terem contribuído significativamente para o desenvolvimento do dogma cristão, por certas razões, possuíam também sérias defecções doutrinárias ou abraçaram alguns ramos heterodoxos, hereges ou espúrios do cristianismo. Casos emblemáticos de Tertuliano e Orígenes, por exemplo.

Em terceiro, a comunhão com a igreja estabelecida e organizada daquela época. O senso de unidade e pertencimento era muito importante. Essa comunhão era testada, geralmente, nos sínodos e concílios, onde poderes, doutrinas e moralidade eram estabelecidos para a ‘catolicidade’ ou ‘oecumene’ da igreja, espalhada e presente no mundo conhecido.

Nesse período, cristãos com pensamentos heterodoxos ou que esposassem doutrinas divergentes, eram excomungados da ‘grande igreja’. Dentre os pais, praticamente não se encontra um caso desses. Testemunho e magistério reconhecido em seus dias, é o quarto requisito. Quer pelo testemunho de Cristo dado, inclusive com o martírio, ou pelo ensino, os seus contemporâneos reconheciam a influência e a autoridade comprovada de um homem.

O último requisito necessário é a santidade de vida. Os Pais da Igreja, mormente, viveram as virtudes cristãs e as práticas de piedade em sumo grau de santidade. Isso significa dizer, o quanto um pecador pode santificar-se nesse mundo caído, tanto quanto eles desejaram e buscaram essa santificação.

Para nós, cristãos do século vinte e um, há muito o que podemos aprender com esses homens, distantes de nós no tempo por mais de dezesseis séculos. Muitos teólogos afirmam que faz mais sentido, em nossos dias, ler os pais da igreja, do que os puritanos, por exemplo. E, acho mesmo que há grande verdade nisso. O nosso século se parece mais em muitos aspectos com os dias da patrística do que com os da Reforma.

Na era dos pais, a sociedade era tremendamente paganizada, os costumes e a moralidade estavam corrompidos, prevaricação e corrupção capeavam a luz do dia e pecado e a impiedade eram tratados como virtudes. Os cristãos eram risíveis com a sua doutrina e a seu padrão moral aos olhos desse mundo, marginalizados e muitas vezes perseguidos.

Os nossos dias se parecem mais com uma fotografia tratada e colorida artificialmente daqueles dias, do que com um quadro pintado dos costumes e da religião dos dias de Lutero, Calvino e os puritanos. E o que há para se aprender dos pais da igreja para a nossa igreja local e para o benefício de nossa espiritualidade?

1) Os pais da igreja tinham a alma encharcada das Escrituras e a mente saturada da Palavra de Deus. O pressuposto para a validação do que era a verdade ou a visão de como o mundo devia ser, recebia a sua iluminação dos textos revelados, das páginas da Bíblia;

2) Os pais da igreja amavam o conhecimento e buscavam a verdade, onde essa pudesse ser encontrada. Por isso, não rejeitavam a filosofia, os clássicos da antiguidade e não desprezavam o aprendizado. Habilitavam as suas mentes e as suas almas para poderem dar a traducibilidade de sua fé, em um contexto completamente ignorante das verdades Bíblicas.

3) Amavam a Igreja, sua vida, sua missão, seu culto e seus santos. Valorizavam tanto a instituição e sua governança, como a vida fraterna em comunidade e o amor fraternal.

4) Estavam inseridos no mundo e conscientemente se faziam presentes, em constante diálogo e com discernimento, nas esferas de poder político com o desejo de influenciar os poderosos com o Evangelho de Cristo e a ética cristã. O Culto, em sua concepção patrística, era o que preparava o crente para o testemunho e a missão fora da comunidade, na arena do mundo.

5) Possuíam aguçada consciência social e presença transformadora na realidade onde estavam. Os pais da Igreja organizavam de tal maneira a diaconia da igreja, que os pobres, os marginalizados, as viúvas, os órfãos e mesmo os leprosos, nunca eram deixados apara trás. Sanatórios, dispensários, distribuição de alimentos, acolhida aos peregrinos e orfanatos-escolas, já estão presentes em Gregório de Nissa, Basílio de Cesaréia e Gregório Magno. Também uma crítica consciência política quanto aos desgovernos e a corrupção política pode ser achada em João Crisóstomo, Atanásio e Ambrósio de Milão.

6) Eram homens de profunda oração. Eram contemplativos na ação e a sua ação os levava a uma oração contemplativa. Dedicavam-se pessoalmente a longos períodos de oração e eram generosos com o tempo dado a oração em suas liturgias. Da oração partiam para a missão. Com os frutos da missão, voltavam para a oração. A Oração era a fonte e o ápice da missão. Que os grandes irmãos da patrística nos inspirem em pleno século vinte um a ganharmos também o nosso tempo para Cristo.