A eternidade já começou

Osmar Ludovico
12/11/2018
Hermenêutica

É no chão da vida e no quotidiano que percebemos, na nossa vida frágil e efêmera, sinais concretos da eternidade, este outro tempo atemporal que desconhecemos.

Jesus nos ensina que quem guardar a sua Palavra nunca verá a morte (Jo8-51-59). Ele não se refere à morte física, mas a morte como um poder irreversível e inevitável que nos conduz ao nada, ao vazio, ao aniquilamento completo da vida.

A vida eterna na perspectiva cristã não evita a morte física, mas não fica presa nem refém dela, pois depois da morte vem à ressurreição. A obra que o Filho de Deus realizou em nosso favor inclui a vitória sobre o pecado e a morte.

Guardar a Palavra não significa simplesmente crer numa reta doutrina,se bem que isto também seja importante. Vai mais longe, é guardar a Palavra no coração, e pratica-la no quotidiano. O apóstolo recomenda que sejamos praticantes da Palavra e não somente ouvintes. Trata-se de uma fé relacional, afetiva, encarnada, isto é uma Palavra testada na vida, que se torna gesto e atitude no quotidiano.

A Palavra deixa de ser um conceito ou uma informação verdadeira para ser explicada, argumentada, discursada, defendida e discutida para se tornar Palavra vivida, demonstrada através de uma vida que se assemelha à vida de Cristo, o homem como todo homem deveria ser. Palavra que acontece no chão da vida, que deixa de ser discurso correto e articulado para ser Palavra vivida nos embates e nas alegrias da vida humana.

O homem perguntou, uma vez, a Jesus Cristo: O que farei para herdar avida eterna. Ele responde com outra pergunta: Conheces os mandamentos? Sim, respondeu o homem, Amarás o teu Deus, o teu próximo como a ti mesmo. E Jesus arrematou: Sim, é isto mesmo: vai e faz isto, deixando implícito que a vida eterna é a prática do mandamento maior. O resumo de toda a Palavra, é amar, é se relacionar, é se vincular com laços de afeto e de intimidade com Deus, consigo mesmo e com o próximo. É amando que somos visitados pelo eterno. A vida eterna já começou para aqueles que amam.

Amamos, no entanto, de uma forma precária. Como ponto de partida somos todos analfabetos afetivos. Preferimos nos refugiar nas minucias da lei do que empreender o árduo aprendizado de amar quem não merece, perdoar quem nos fere, amar até o fim sem desistir. Na realidade não podemos dizer que amamos como ele nos amou, amamos de forma imperfeita, mas prosseguimos tateando rumo à eternidade, na busca de sermos de tal forma acolhidos no seio da Trindade que nos tornemos um com ela. E, transbordantes deste amor, amemos uns aos outros,vivendo para servir o próximo. O amor que nos amamos nosso semelhante é sempre uma pálida resposta ao grande amor com que Deus nos amou. Se amamos é porque ele nos amou primeiro. Um amor incondicional, imerecido, irretribuível, infinito e imutável. Percebemo-nos amados quando reconhecemos a maldade e o pecado no nosso coração e nos colocamos aos pés da cruz. Ali então vivenciamos este amor. Quem nunca chorou de arrependimento aos pés da cruz tampouco conhece a alegria indizível e cheia de glória que invade o nosso coração, quando somos acolhidos pelo amor e pelo perdão de Deus, e não somente por isto, mas também por contemplar a cruz vazia, sinal concreto da vitória do Senhor sobre a morte e o pecado.

Amar não é categoria teológica para ser debatida por eruditos na academia. É oferta e convite de Deus a todos os homens, para se tornar experiência do coração e prática relacional e afetiva expressa no gesto simples do quotidiano, permeado de gentileza, doçura, bondade e ternura. Amar gratuitamente, sem cobrar, sem exigir, sem barganhar.

Não podemos amar a Deus concretamente, pois não o vemos. É quando amamos uns ao outros que o amor de Deu permanece em nós, nos ensina o apostolo João. E amar não é só declaração, intenção ou sentimento, amar é se relacionar,é servir, é ajudar, acontece nos vínculos humanos, pois se alguém disser que ama a Deus, mas não tem amigos é mentiroso conclui o discípulo amado. Só podemos amar a Deus através do nosso próximo, quando nos relacionamos com bondade, empatia, altruísmo, desejando e fazendo o bem especialmente a aqueles que não têm como retribuir: os pobres, os destituídos, os órfãos, as viúvas, os enfermos. Ao fazer isto nos conectamos com o Deus eterno, Pai de Jesus Cristo,a fonte e a origem de todo amor no Universo.

Quando tangenciamos o amor, o eterno invade nossa frágil e efêmera existência. E suspiramos aliviados, nos sentimos amados e prontos para amar, e isto basta,a eternidade já começou, já não morreremos mais, o amor é mais forte do que os poderes destrutivos da morte.  

Somos todos aprendizes, nos entregamos ao grande amor com que o Pai nos amou através do Filho e cheios do Espírito Santo. A vida se torna uma escola para amar. Somos todos peregrinos, no caminho com Cristo até Cristo,fazendo esta jornada que vai do homem caído e rebelde em direção a nos assemelhar a ele. Uma jornada da terra ao céu, uma jornada do efêmero à eternidade, uma jornada do egoísmo e do individualismo ao amor desinteressado e aos vínculos e afetos.

E Paulo nos adverte em I Coríntios 13 que este aprendizado e esta peregrinação não é baseada em conhecimento ou desempenho religioso, mas sim em ser amado e amar.

A eternidade já começou para estes aprendizes e peregrinos.